quarta-feira, 17 de junho de 2009

Presta ou não presta

Dobra à esquerda, segue em frente, corta a floresta, dobra, segue e volta. É o próprio fim do mundo onde mora João, um velho lenhador. E não pensem que vão encontrar uma casa comum, não. João é diferente, é especial. Para achar sua casa é preciso olhar para o alto, aí sim vão encontrar a casinha rústica feita no capricho por mãos fortes, ásperas de um trabalhador incansável, porém excêntrico. Uma enorme Timbaúva servia como base para a linda morada do desconfiado lenhador. Para subir bastava galgar alguns degrauzinhos ao longo do tronco forte. Lá no alto era rei, o João. Bancos de madeira, rede encardida, panelas de barro e enfeites de galhos secos contribuíam para um cenário natural. Lá ninguém subia só ele e sua Jaguatirica de estimação. Bela e ligeira, Mimosa, como era chamada carinhosamente por João, mantinha guarda, olhava desconfiada a cada barulhinho na mata. Dormia ao lado da rede do velho João como a cuidar daquele estranho humano.
Mas ele chegou até João. Ele Geraldo da Cunha Pinheiro - duas vezes vereador, prefeito e candidato a reeleição. Homem letrado, dono das palavras. Mãos macias, olhar de fera, sorriso de menino. Nunca na vida havia ouvido falar de João, nem imaginava que alguém poderia viver naquele fim de mundo. Floresta escura, úmida, cheia de bichos perigosos. Mas os tempos estavam difíceis, os assessores disseram ‘todos os votos eram preciosos’, a falta de um podia ser derrota certa. Comentários surgiram, a descoberta estava feita, havia um eleitor no meio do mato. Era para lá que ia Geraldo.
Cheio de medo, acompanhado por uma meia dúzia de cabos eleitorais o digníssimo candidato chegou todo amassado. O terno do mais puro linho parecia mais um saco de estopa. Os sapatos do couro de jacaré eram um barro só. Os pobres dos assessores iam deixando pedaços de bandeiras nos galhos e os panfletos serviam para espantar os mosquitos. Geraldo, o prefeito olha para frente, para os lados e nada da casa do João. Um grito desesperado ecoa na mata. Era Vadinho um alegre cabo eleitoral, apavorado com Mimosa, a Jaguatirica que olhava curiosa o grupo. Pânico geral, todos olhavam agora para cima e lá estava João a sorrir alegremente. Completamente confuso o candidato a reeleição estampou no rosto o sorriso mais simpático e se botou a falar. João sem entender nada pediu que o pobre homem subisse. Geraldo pensou, olhou os degraus e se foi, era um voto certo. Exausto chegou até lá. Os correligionários acenavam com bandeirinhas sob o olhar de Mimosa.
Depois de tomar água, Geraldo falou e falou, explicou projetos e mais projetos. Era pura humildade. Falou da infância pobre, das tristezas da vida, dos filhos, da mãe, do pai, que já havia sumido no mundo.
João apenas concordava e dava água para o homem molhar a garganta. Depois de muitas promessas, até casa na cidade João já tinha, o candidato resolveu se despedir. E se foi deixando para traz uma bandeira e uma camiseta com seu nome estampado. No dia da posse do candidato reeleito lá estava João da floresta todo faceiro, abraçado em Mimosa acenou para ele. Confuso diante daquela figura, apesar dos protestos das demais autoridades foi até ele e apertou a mão cheia de calos do velho lenhador que disse sereno: “És um homem honrado, meu filho, se agisse somente em troca do voto não apertaria hoje minha mão”.
Feliz o velho lenhador foi embora com sua Jaguatirica, deixando para trás uma lição para o homem que se tornou um político honrado e digno de todos os cargos exercidos.
A vida tem dessas coisas. Presta ou não presta.

Nenhum comentário: