quarta-feira, 3 de junho de 2009

Cheiro de Lux

A água fraca corria preguiçosa sobre o corpo magro, formando uma estranha coreografia. Mãos de dedos finos e longos apertavam com certo cuidado o sabonete branco coberto de pelos negros. Era interessante a forma quase amorosa como esse homem segurava o “Lux”. Sim, Lux, a marca de sabonete que ele usava a mais de 15 anos - Branco-suave-aveia-maciez. Três banhos por dia, o mesmo perfume, o mesmo prazer, a mesma vontade de ficar ali embaixo daquele velho chuveiro por toda a eternidade.
A toalha branca a espera, como num ritual único e particular. Um abraço apertado, protegido pelo tecido grosso e felpudo, o homem aspirava a fumaça perfumada do Lux, que dançava no banheiro mofado, de azulejos verdes com figuras tristes. Ele ria tranquilo como a conversar com aquele ambiente, com o espelho quebrado que deformava seu rosto. Mas ele amava aquele mundo. Um mundo Lux que parecia esconder segredos dentro das centenas de caixas do sabonete branco. Mania? Não, ele sabia que não era, mas isso só importava a ele...
Vestiu-se como de costume. Calça branca, camisa azul, chapéu preto. Estranho? Para ele não. Era assim seu jeito de ser. Sem olhar para traz fechou a porta de madeira podre, sentindo ainda o cheirinho do Lux no ar e na pele. Sim, hoje seria mais um dia perfeito. Estava protegido.
Na repartição todos conheciam o homem de chapéu preto que cheirava a Lux. Era alegre, sempre muito limpo e gentil com todos. Todos? Não, nem todos. As mulheres loiras deixavam seus modos bruscos e pouco amistosos. Seu rosto se transformava em uma máscara e tudo que se via eram, olhos furiosos e misteriosos. Os colegas notavam, mas nada diziam, afinal estavam acostumados, 30 anos fazem diferença.
Mas pobre Lúcia, uma mocinha frágil de cabelos dourados, que havia começado a trabalhar na repartição não podia compreender tamanha repulsa no olhar do homem-lux. Mas ele nada fazia, apenas evitava até mesmo passar por ela. Rezava à lenda que antigas colegas loiras até pintavam o cabelo de negro para conviver melhor com o excêntrico. (excêntrico?).
Lúcia teimava em conversar com o homem, mas ele a evitava de todas as formas. Qual era seu segredo? Ela queria descobrir o motivo daquele olhar tão profundo e magoado. Algo naquele homem a deixava encantada.
O sol escondia-se, dando espaço para a noite que vinha embalada por um vento suave. Ele caminhava sem pressa pelo caminho de sempre; olhou para os lados e pegou o beco de costume, que terminava em um portão de cemitério. Entrou, como sempre fazia, subiu e lá estava o túmulo branco, com um anjo a olhar para o alto. Os olhos azuis pousaram na lápide e num gesto rápido tirou do bolso um sabonete Lux, e colocou ao lado da cruz. Rezou baixinho. Tinha os olhos secos e no rosto uma máscara de dor.
Lucia olhava de longe, apavorada e sem ação. Esperou ele ir embora e foi até o túmulo. Na foto estava, uma mulher e um bebê. Ela linda de cabelos dourados e o bebê branquinho... Mas não teve tempo de pensar, o golpe foi seco e fatal. Cabelos loiros cobertos de sangue.
A água escorria, o cheiro do Lux branco invadia cada canto do velho apartamento. O sabonete deslizava pelo corpo magro manchado de sangue. Seu rosto era sereno. Sua mente encontrava a mulher do túmulo e o bebê. Sua família, morta dentro daquele banheiro por suas mãos ensaboadas de Lux. Intrigas, mentiras, traição da mulher com o melhor amigo. Tomavam banho com Lux. A morte foi rápida... Tudo terminado. Restaram apenas o chapéu preto do amigo e o sabonete branco da esposa.
A fumaça invadia cada canto, ele ria louco e perigosamente lúcido...

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